quinta-feira, 17 de setembro de 1992

ESPECIAL DALVA E HERIVELTO




DATA RETROATIVA:
17/07/1992. DIA DA MORTE DE HERIVELTO MARTINS E FIM DA HISTÓRIA DO CASAL.

E AQUI ELA COMEÇA A SER CONTADA.












PESQUISANDO A HISTÓRIA
DOIS ÍDOLOS, DOIS TALENTOS.
UM CASAL NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA


DEPOIS DA MICROSSÉRIE DA TV GLOBO, DALVA E HERIVELTO-Uma Canção de Amor, QUEM AINDA NÃO CONHECIA PASSOU A TER CURIOSIDADE PARA SABER UM POUCO MAIS DA VIDA DE DALVA DE OLIVEIRA, A FAMOSA CANTORA DOS ANOS 30, 40 E 50, BEM COMO DAQUELE QUE A LEVOU PARA O ESTRELATO, SEU EX-ESPOSO HERIVELTO MARTINS, QUE TAMBÉM FOI UMA DOS MAIORES MÚSICOS DE SAMBA CANÇÃO DO BRASIL. ELES BRILHARAM NA ERA DE OURO DO RÁDIO E TEM UMA GRANDE HISTÓRIA PARA SER CONTADA. JUNTOS E SEPARADOS.


VAMOS VER PASSO A PASSO COMO FOI ESSA HISTÓRIA.







    INTRODUÇÃO:    

A HISTÓRIA DA MPB E A BASE DOS DOIS ARTISTAS
 

Pode-se dizer que a MPB surgiu ainda no período colonial brasileiro, a partir da mistura de vários estilos. Entre os séculos XVI e XVIII, misturaram-se em nossa terra, as cantigas populares, os sons de origem africana, fanfarras militares, músicas religiosas e músicas eruditas européias. Também contribuíram, neste caldeirão musical, os indígenas com seus típicos cantos e sons tribais.

Em meados do século XVIII e a primeira metade do século XIX, destacavam-se nas cidades, que estavam se desenvolvendo e aumentando demograficamente, dois ritmos musicais que marcaram a história da MPB: o Lundu e a Modinha. O Lundu, de origem africana, possuía um forte caráter sensual e uma batida rítmica dançante. Já a Modinha, de origem portuguesa, trazia a melancolia e falava de amor numa batida calma e erudita.

Na segunda metade do século XIX, surge o Choro ou Chorinho, a partir da mistura do Lundu, da Modinha e da Dança de Salão européia. Em 1899, a cantora Chiquinha Gonzaga compõe a música “Abre Alas”, uma das mais conhecidas marchinhas carnavalescas de nossa história.

SAMBA - Já no início do século XX começam a surgir as bases do que seria o Samba. Dos morros e dos cortiços do Rio de Janeiro, começam a se misturar batuques e rodas de capoeira com pagodes e batidas de homenagens aos orixás. O carnaval começa a tomar forma com a participação, principalmente, de mulatos e negros ex-escravos. O ano de 1917 é um marco, pois Ernesto dos Santos, o Donga, compõe o primeiro samba que se tem notícia: “Pelo Telefone”. Nesse mesmo ano, aparece a primeira gravação de Pixinguinha, importante cantor e compositor da MPB do início do século XX.

Com o crescimento e a popularização do rádio entre 1920 e 1930, a Música Popular Brasileira cresce ainda mais. Nessa época inicial do rádio brasileiro, destacam-se os seguintes cantores e compositores: Ary Barroso, Lamartine Babo (criador de “O Teu Cabelo Não Nega”, mas toda baseada na mesma música dos Irmãos Valença), Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues e o jovem Noel Rosa. Surgem também os grandes intérpretes da MPB: Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco Alves.

Na década de 1940 destaca-se, no cenário musical brasileiro, Luiz Gonzaga (o “Gonzagão”), o "Rei do Baião" falando do cenário da seca nordestina. O cantor faz sucesso com músicas como, “Asa Branca” e “Assum Preto”.

TENDÊNCIAS - Enquanto o baião continuava a fazer sucesso com Luiz Gonzaga e com os novos sucessos de Jackson do Pandeiro e Alvarenga e Ranchinho, ganhava corpo um novo estilo musical: o Samba-Canção. Com um ritmo mais calmo e orquestrado, as canções falavam principalmente de amor. Destacam-se neste contexto musical: Dolores Duran, Antônio Maria, Marlene, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Angela Maria e Cauby Peixoto. Herivelto Martins também se destaca como grande compositor desse gênero.

Em fins dos anos 1950, surge a Bossa Nova, um estilo sofisticado e suave. Destaca-se Elizeth Cardoso, Tom Jobim e João Gilberto. A Bossa Nova leva as belezas brasileiras para o exterior, fazendo grande sucesso, principalmente nos Estados Unidos.

TV - Um fato novo e revolucionário surge a partir de 1950: a televisão. A TV começou a se popularizar em meados da década de 1960, influenciando na música. Nessa época, a TV Record, segunda emissora a surgir no Brasil, organizou o Festival de Música Popular Brasileira, evento que rendeu várias edições. Nesses festivais foram lançados artistas como Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Edu Lobo. Nesse mesmo período, a TV Record lança o programa musical Jovem Guarda, onde despontam os cantores Roberto Carlos e Erasmo Carlos e a cantora Wanderléa.

Na década de 1970, vários músicos começam a fazer sucesso nos quatro cantos do país. Nara Leão grava músicas de Cartola e Nelson do Cavaquinho. Vindas da Bahia, Gal Costa e Maria Bethânia fazem sucesso nas grandes cidades. O mesmo acontece com DJavan (vindo de Alagoas), Fafá de Belém (vinda do Pará), Clara Nunes (de Minas Gerais), Belchior e Fagner ( ambos do Ceará), Alceu Valença (de Pernambuco) e Elba Ramalho (da Paraíba). No cenário do rock brasileiro destacam-se Raul Seixas e Rita Lee. No cenário funk aparecem Tim Maia e Jorge Ben. Também faz enorme sucesso a dupla sertaneja Milionário & José Rico.

RECENTES - Nas décadas de 1980 e 1990 começam a fazer sucesso novos estilos musicais que recebiam fortes influências do exterior. São as décadas do rock, do punk e da new wave. O show Rock in Rio, do início dos anos 80, serviu para impulsionar o rock nacional. Com uma temática fortemente urbana e tratando de temas sociais, juvenis e amorosos, surgem várias bandas musicais. É desse período os grupos Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Titãs, Kid Abelha, RPM, Plebe Rude, Ultraje a Rigor, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Ira! e Barão Vermelho. Também fazem sucesso: Cazuza, Rita Lee, Lulu Santos, Marina Lima, Lobão, Cássia Eller, Zeca Pagodinho e Raul Seixas.

Os anos 1990 também são marcados pelo crescimento e sucesso da música sertaneja. Nesse contexto, com um forte caráter romântico, despontam no cenário musical duplas como Chitãozinho & Xororó, Zezé di Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo e João Paulo & Daniel.


(Matéria do site SUA PESQUISA.COM, com algumas atualizações. Pode ser conferida no Endereço: http://www.suapesquisa.com/mpb/)







TRAJETÓRIA
QUEM FOI DALVA E HERIVELTO 

Dalva e Herivelto viveram um tórrido “Casal 20” nos anos 1940 e 1950. PASSIONAL talvez seja a palavra que melhor define a história dos dois. Ela, uma grande cantora, ele, um compositor notável, vivendo uma relação intensa e verdadeira, nos palcos e na vida.


Perfil de Dalva

Dalva de Oliveira foi cantora, mas também exerceu o papel de atriz de musicais de cinema e até dubladora. Essa grande estrela da música nacional dos anos 1940 e 1950, brilhou no rádio, cassino, teatro, em excursões ao exterior e foi grande foco da mídia em sua época, dentre outros atributos. Teve uma infância com poucos brinquedos mas com bastante música. É definida pelos historiadores como uma mulher simples, doce, de um olhar que foi sempre triste, mas muito inteligente e de personalidade bem típica das mulheres do início do século XX. Mãe carinhosa ao extremo, Dalva era uma cantora dona de uma poderosa voz, cuja extensão ia do contralto ao soprano (podia até cantar em ópera se quisesse) e que cunhou uma laureada trajetória interpretando mais de 240 músicas. Foram cerca de 38 anos de uma bela carreira artística que a tornou respeitada por sua técnica musical.


Perfil de Herivelto

Herivelto Martins foi um grande compositor de samba-canção (samba romântico), além de cantor, músico e até ator de musicais de cinema. Pelo que fez na infância pode ser considerado garoto prodígio. Foi uma das grandes estrelas na música nacional ao também brilhar no rádio, cassino, teatro e criar memoráveis músicas. Seu legado causa certa polêmica porque ele se enveredou pelo mundo da umbanda e foi foco da mídia da época junto com Dalva de Oliveira. Teve uma infância com muita música e um modo até meio irracional de se portar. Isso porque Herivelto teve todas as características da educação do início do século XX baseada na austeridade dos mais antigos. Quando adulto, virou um pai de personalidade difícil, exigente e, consequentemente, austero. Moldou-se como disciplinador com os filhos, os quais ensinava a ter respeito com os subalternos.
Como músico era exímio compositor e não possuía uma grande voz, mas sim uma verve criativa e inspiradora capaz de criar letras de belíssimas canções, sons de ritmos variados, arranjos e ainda tinha espírito de liderança e segurança ao falar. Sempre com seu violão a tira colo, compôs e interpretou (em parceria ou sozinho) cerca de 330 canções em quase 70 anos de carreira artística (começou a compor aos 9 anos). Dinâmico, tocava vários instrumentos e conhecia toda a técnica musical e interpretativa de sua arte.








CRONOLOGIA
CONTANDO DE FORMA LIVRE E BEM HUMORADA O PASSO A PASSO DA VIDA, CARREIRA E OBRAS DESTES ARTISTAS TÃO POPULARES E QUE TRADUZEM UM POUCO DA ALMA CARIOCA


OBS.: AINDA EM FASE DE REVISÃO E MONTAGEM. VISITE MAIS VEZES.



1912- Nasce o bebê Herivelto.
Herivelto de Oliveira Martins era fluminense. Ele veio ao mundo no antigo distrito ferroviário de Rodeio, hoje emancipado com o nome de Engenheiro Paulo de Frontin (RJ), em 30 de janeiro de 1912, terça-feira, coincidentemente, o mesmo ano da catástrofe do navio Titanic (mas isso só coincidência mesmo, ok?).

-Como todo bebê veio ao mundo peladinho, banguela e chorando.
                                                                                        
Estação Ferroviária do antigo distrito de Rodeio (inaugurada com a presença do imperador Dom Pedro II em 1863), hoje, cidade Engenheiro Paulo de Frontin (RJ), 13.000 habitantes e onde nasceu Herivelto Martins

 
1913- O bebê Herivelto faz seu primeiro aninho de vida.
O agente ferroviário, Felix Bueno Martins e a costureira e doceira, “Dona Carlota” (como era chamada) estavam felizes com seu novo rebento. “Seu Félix” era de formação artística e vivia organizando grupos e eventos artísticos por onde morou. Ali mesmo já planejava colocar o pequenino para virar artista em breve. O homem era rígido e disciplinador, bem típico das pessoas da época. Só que também gostava de correr riscos, como, por exemplo, hipotecar a casa para conseguir dinheiro e tocar seus projetos. 

-“Esse aqui vai virar artista. Ah, mas vai mesmo!”

Túnel Doze (de 1863) e túnel Onze (de 1914 - projeto de Paulo de Frontin e aberto por Humberto Antunes) no antigo Rodeio e desde a época do nascimento de Herivelto Martins

1914- Herivelto completa dois aninhos e já demonstra sinais de atividade artística.
Herivelto teve mais três irmãos, sendo dois meninos e uma menina: Hedelacy, Hedenir e holdira. Todos com a letra inicial H. Somando quatro no total.

-“Bom, pelo menos tem com quem brincar”.



1915- Herivelto, com três aninhos, já é levado pelo pai para participar de seus eventos.

O garoto já começou a pegar no trabalho bem pequenininho.



- “Ele fez direitinho. Fica até engraçadinho assim!”

1916- Herivelto faz quatro anos e se muda.Sua família seguiu a ferrovia e mudou-se para a vizinha Barra do Parahí (hoje apenas Piraí).



-“Lá, pelo menos, a gente vai ter mais oportunidade e vai poder fazer mais coisas”.

1917- Nasce o bebê Dalva de Oliveira. Herivelto tem cinco anos.Dalva de Oliveira não nasceu com esse nome. Foi batizada de Vicentina Paula de Oliveira, que era um nome de gente comum. Ela era paulista. Nasceu na então cidade ferroviária de Rio Claro em 5 de maio de 1917, sábado, coincidentemente, ano da composição do primeiro samba do Brasil: “Pelo Telefone”, de Donga. Dalva foi primogênita.

Nesse ano, em Barra do Piraí, também nascia o futuro componente do Trio de Ouro, Nilo Chagas.



-Assim como Herivelto, foi um bebê veio ao mundo peladinho, banguela e chorando.



1918- O bebê Dalva faz seu primeiro aninho de vida. Herivelto tem seus 6 anos.

O pai de Dalva, na verdade, esperava para primogênito um menino, e já tinha até escolhido um nome: se chamaria Vicente. Mas como nasceu menina, ele não quis perder a idéia e colou Vicentina.



-“Que menininha bonitinha. Bilú, bilú, tetéia!”



1919- Herivelto, com sete anos, já é um artista mirim em Barra do Piraí. Dalva faz seu segundo aninho em Rio Claro.

O pequeno peralta Herivelto já tinha personalidade e era um menininho bem pra frente. “Seu Félix” procurava educar com rigidez, disciplina e austeridade, mas já enfrentava certa contrariedade com o moleque. Herivelto e seus irmãos ajudavam no orçamento doméstico, vendendo os doces que a mãe fazia. Ele ainda atuava como artista mirim do grupo fundado por seu pai em Barra do Piraí.



-“Heriveeeltooo! Vem tomar banho pra ir pro ensaio, menino!”

1920- Herivelto completa oito anos. Dalva faz três.Parecido com Herivelto, Dalva era filha da portuguesa naturalizada brasileira Alice do Espírito Santo de Oliveira e do mulato festeiro Mário de Oliveira, popular em Rio Claro como “Mário Carioca”. O pai foi marceneiro da antiga Companhia Paulista de Trens e tocador de saxofone e clarinete nas horas vagas. Ambos foram importantes na formação e no destino artístico de Dalva.



-“Se a Vicentina vingá vou levar ela pra cantá comigo.”

1921- Herivelto completa nove anos. Dalva quatro.Além de Dalva, seus pais tiveram mais três filhas meninas: Nair, Margarida e Lila. Também tiveram, enfim, um menino, mas que nasceu com problemas de saúde e morreu ainda bebê. Na família de Herivelto eram quatro irmãos. Na de Dalva eram quatro irmãs.



-“Benhê, cê pegou barriga de novo? Me dá um menino dessa vez!”



1922- Herivelto faz 10 anos. Dalva cinco.

A mãe de Dalva, “Dona Alice” criava as filhas e ajudava no orçamento da família, fazendo salgados para um bar vizinho de sua casa em Rio Claro, dentre outros afazeres e prendas portuguesas. Dalva ainda atuava como cantora mirim das baladas de seu pai, um carioca festeiro no interior de São Paulo. Enquanto isso em Barra do Piraí, Herivelto, menino custoso, havia feito uma paródia e criado uma musiquinha chamada: “Quero Uma Mulher Bem Nua”.



-“Mas ora que menino levado! O peste até que canta bem, heim sô!”



1923- Herivelto faz 11 anos. Dalva seis.





1924- Herivelto faz 12 anos. Dalva sete.Entre outras coisas, Herivelto é um garoto destaque da Banda dos Artistas de Barra do Piraí onde faz apresentações públicas tocando instrumentos em meio aos integrantes jovens e adultos. Do outro lado, Dalva e sua família viviam de forma bastante modesta. Era vista no alto de um banquinho, cantando acompanhada do saxofone ou clarinete do pai que costumava realizar serenatas com seus amigos músicos. A pequena Vicentina gostava de acompanhá-lo e era uma bela voz infantil a encantar as pessoas na rua. Mário Carioca tinha a música nas veias e organizara um conjunto para tocar em festas. Só que algo não ia bem com ele. Nuvens negras pairavam sobre a cabeça de Dalva.



-“Pai, vamos pra casa ver a mamãe e as maninhas”.

1925- Herivelto faz 13 anos. Dalva oito.Esse foi um ano de mudanças para os dois artistas. Em Barra do Piraí um circo chega. O pequeno Herivelto vai aos espetáculos e mantém contatos com os artistas responsáveis, Zeca Lima e Colosso, e mostra suas habilidades. Para sair do sistema do pai, Herivelto resolve ir embora com o circo. Seu Félix e Dona Carlota querem encontrar o filho. Já em Rio Claro, Dona Alice e as filhas sofrem um duríssimo golpe: Seu Mário Carioca falece deixando-as sozinhas. Dona Alice resolve, então, seguir a ferrovia e ir embora para tentar a vida na capital paulista. Chegando a São Paulo, arruma emprego de governanta em uma mansão.



1926- Herivelto faz 14 anos. Dalva nove.

Como Dona Alice não podia levar as filhas para o serviço, teve de buscar vaga para as três pequenas em um internato de irmãs de caridade. Conseguiu vagas no Internato Tamandaré. Lá era bom para Dalva, uma vez que havia instrumentos musicais e as monitoras se distraíam ouvindo a menina. Dalva chegou a ter aulas de piano, órgão e canto.



1927- Herivelto faz 15 anos. Dalva 10.



1928- Herivelto faz 16 anos. Dalva 11.A menina Vicentina ficou lá por três anos, até ser obrigada a sair, aos 11 anos, devido uma séria infecção nos olhos. Ela correu o risco de ficar cega e virou um drama para a mãe. Teve de usar óculos.

Nessa ocasião, Vicentina teve que ficar ao lado da mãe o tempo todo e, por isso, Dona Alice acabou perdendo o emprego na mansão, pois tendo que tratar da filha não podia mais ter o mesmo desempenho no serviço.



1929- Herivelto faz 17 anos. Dalva 12.

Dona Alice batalhou e conseguiu ir tratando da filha. Ao mesmo tempo, arrumou emprego de copeira em um hotel e Vicentina, já melhorando, passou a ajudá-la. Mas as cantorias não param.



1930- Herivelto completa 18 anos. Dalva 13.

Daí, Dona Alice e sua filha, como pequena ajudante, passaram por outros serviços para sobreviverem em São Paulo: trabalharam como arrumadeiras, babás e ajudantes de cozinha em restaurantes.



1931- Herivelto tem 19 anos. Dalva 14.



1932- Herivelto tem 20 anos. Dalva 15.

Depois, conseguiram emprego de faxineiras em uma escola de dança onde havia um piano e uma pianista.

Vicentina, depois de terminar o serviço de faxina, costumava exercitar seu dom artístico cantando algumas músicas e tentando tirar melodias ao piano. Era o momento de cantoria e alegria da escola. Um dia, seu destino de cantora mostrou a cara. Um dos freqüentes ao local era um maestro: Antônio Zovetti, que a ouviu cantar e gostou de imediato daquela jovem voz estridente e afinada.

Sem perda de tempo, Antônio Zovetti, falou com ela e sua mãe e fez convite para cantar numa "troupe" perambulante de circo, chefiada por ele mesmo. "Era um cirquinho de tablado", segundo depoimento da cantora depois.

O tal “cirquinho de tablado” se chamava Circo Damasco e percorreu várias cidades do interior paulista e rumou para Belo Horizonte (MG). Vicentina foi junto com o maestro e saiu de São Paulo pela primeira vez.



1933- Herivelto tem 21 anos. Dalva 16.Como era uma pequena adolescente, sua participação acontecia nos intervalos dos espetáculos, quando era anunciada como "A menina prodígio da voz de ouro". Sua mãe foi junto, a convite do próprio maestro-empresário. Foi nessa época que ela passou a usar o nome de Dalva, sugerido por Dona Alice, pois Zovetti achava que o nome Vicentina não era bom para uma cantora. Assim, passaram a anunciá-la como “a doçura de voz da menina prodígio: a estrela Dalva!".

Em Belo Horizonte impressionou o público. Foi então aconselhada por alguém a fazer um teste na Rádio Mineira, a grande rádio da capital. Apresentou-se para público ouvinte e foi aprovada, mas, daí, veio uma decepção: o Circo Damasco foi dissolvido ali mesmo e Dalva e sua mãe não tinham como permanecer por lá. Tiveram então que dar tchau a rádio Mineira e a Belo Horizonte e voltarem para a capital São Paulo. Foram levadas de volta pelo maestro Zovetti.

Em São Paulo, ainda em contato, o maestro aconselhou sua mãe a levá-la para tentar a sorte no Rio de Janeiro, dizendo que a menina tinha futuro e que na então Capital Federal teria mais chances. A mãe aceitou o conselho.



1934- Herivelto tem 22 anos. Dalva 17.Dona Alice a Dalva transferiram-se para o Rio de Janeiro, onde foram morar na Rua Senador Pompeu, numa "cabeça-de-porco" (segundo a própria cantora). Mas não foram só. Nessa época, a família já estava novamente reunida (as outras três irmãs voltaram a morar com a mãe).

Mas o começo no Rio não foi tão fácil. Como precisava sobreviver com a família, Dalva empregou-se como costureira numa fábrica de chinelos.

Mas o destino, novamente, voltou a mostrar o caminho a Dalva. Um dos proprietários da fábrica era o empresário-produtor Milton Guita (conhecido como Milonguita, um conhecido admirador de tangos) que também era diretor da Rádio Ipanema (que depois virou rádio Mauá). Como Dalva gostava de cantar enquanto trabalhava, Milonguita um dia a ouviu e gostou. Milonguita, sem perder tempo, convidou-a para um teste em sua Rádio Ipanema. Foi aprovada e se destacou como uma das atrações da emissora. Era o caminho para seguir uma carreira artística no rádio.





1935- Herivelto tem 23 anos. Dalva completa 18.

Dalva aumentou sua pretensão e logo depois se transferiu para as Rádios Sociedade e Cruzeiro do Sul, onde cantou ao lado do jovem talento Noel Rosa. Teve de girar de novo e depois passou pela Rádio Philips. Finalmente, depois de ter seu jovem potencial de cantora descoberto, conseguiu trabalho na maior emissora dos anos 30, a Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro e passou a ser uma atração semanal.

Na época da Mayrink Veiga, Adhemar, diretor da rádio, levou-a para conhecer o maestro Gambardella, que apesar de achar que ela possuía potencial para tornar-se uma cantora lírica, aconselhou-a a manter-se como cantora popular. O maestro sabia que uma moça pobre dificilmente poderia seguir uma carreira que carecia de recursos e não tinha muito futuro no Brasil. Era carreira para quem havia nascido rica. Assim, sugeriu que ela utilizasse sua voz para o canto popular.

Nessa época também, foi chamada para trabalhar durante a semana no teatro com o mastro Jayme Costa, fazendo pontas em operetas no Teatro Glória. Dalva também foi convidada para atuar na temporada popular do espetáculo “Casa de Caboclo”, em apresentação no Teatro Fênix.

No espetáculo, apresentado semanalmente no Teatro Fênix, a jovem Dalva pôde atuar ao lado dos outros artistas que também compunham as apresentações, sendo eles os famosos Jararaca & Ratinho (cantores), Alvarenga & Ranchinho (cantores), Ema D'Ávila (atriz e comediante), Diamantina Gomes e Antônio Marzullo. Mesmo com seu potencial, Dalva continuava uma mocinha pobre e simples.

No mesmo período, Dalva trabalhou em um espetáculo semanal no teatro regional Pátria no largo da Cancela (bairro São Cristóvão), onde, inspirada, apresentava números musicais imitando o gestual de uma jovem estrela do cinema nos anos 30: Dorothy Lamour.



1936- Herivelto tem 24 anos. Dalva 19.O destino aprontou das suas. Herivelto, jovem, pai de dois meninos, fama de farrista e um talento criativo musical e que já tinha esbarrado com Dalva nos bastidores do teatro Pátria, a enxerga com sua linda voz no palco e em um número sensual. Se apaixona.

Certa noite, logo após a apresentação de Herivelto com seu palhaço Zé Catinga, o jovem compositor de 24 anos, com histórico na música, mas ainda pobre e controlado, resolve interagir na apresentação da jovem Dalva. Ainda fantasiado de palhaço, Herivelto brinca com a cantora no palco e chama a atenção. Ela fica encantada e algo surge entre os dois.

Herivelto começa então suas investidas em Dalva: compra presentes, ajuda a melhorar a aparência daquela moça simples do interior (Dalva, com seu vozeirão limpo e cristalino, sempre falava com sotaque e puxando o erre). Herivelto ainda deu dicas de como se portar no palco e lhe deu o melhor de seu repertório. Começam a ensaiar em dupla. Ele que havia perdido seu parceiro Francisco Sena da dupla O Preto e O Branco estava à procura de um novo parceiro. Herivelto achou Dalva uma jóia bruta de cantora e resolveu lapidá-la.

Para ficar com Dalva, Herivelto enfrentou a desconfiança de Dona Aline, sua própria condição de pai de dois meninos e as más línguas do povo. No início do relacionamento de ambos a vida foi difícil. Dalva saiu da casa da mãe e foi morar com ele em um cortiço dividindo o quarto e o aluguel com o amigo e parceiro Nilo Chagas.

Com a primeira mulher, Maria Aparecida Pereira de Mello, a “Mariazinha”, Herivleto teve Hélcio Pereira Martins e Hélio Pereira Martins.

Nilo Chagas, que, igual a Ismael Silva, era conhecido também como um negro de alma branca.



1937- Herivelto tem 25 anos. Dalva 20.

Com um ano de existência e enfrentando barreiras, a dupla O Preto e O Branco e Dalva de Oliveira gravaram seu primeiro disco em 78 r.p.m. (rotações por minuto) com contrato com a RCA Victor. As músicas foram “Itaquari” e “Ceci e Peri”, ambas de autoria de Príncipe Pretinho e arranjos do próprio Herivelto e acompanhamento do grupo Boêmios da Cidade. Esse disco fez sucesso. Depois o trio até foi contratado pela líder de audiência Rádio Mayrink Veiga por dois anos sendo anunciado como a dupla Preto & Branco e Dalva de Oliveira.

Foi no início de 1937 que Dalva descobriu estar grávida. Para delírio dos fãs, a escolha do nome de seu filho foi feita entre o público ouvinte por votação na Rádio Mayrink Veiga: se fosse um menino, eles o batizariam de Peri, e, se fosse menina, Ceci. Como nasceu menino o eleito foi Peri. O casal teve ainda um segundo filho, Ubiratan, o Bily.

Dalva e Herivelto casaram-se em um terreiro de candomblé ainda em 37, antes de Peri nascer. Apesar de artistas, ambos tinhas diferenças visíveis. Enquanto Dalva era uma moça simples, animada e sonhadora, Herivalto era um boêmio dos anos 30 e 40, um homem que gostava dos encontros em bares e de compor com os amigos.

Peri de Oliveira Martins nasce em 27 de outubro desse ano e herdaria a voz e os olhos da mãe e o imenso talento do pai.



1938- Herivelto tem 26 anos. Dalva 21.Sintonizado por Villa-Lobos, o lendário maestro logo espalhou pelos quatro cantos, que ali estava a maior cantora do Brasil: Dalva de Olivera.

O trio transferiu-se para a Rádio Tupi e para a gravadora Odeon.

Nos anos 30 o país contava com 20 emissoras de rádio que tinham como principais cartazes Vicente Celestino, Francisco Alves, Araci Cortes, Sylvio Caldas entre outros. Com o passar do tempo outros nomes foram se consagrando como Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Jorge Goulart, Nelson Gonçalves, Linda e Dircinha Batista, Marlene, Nora Ney, Angela Maria e Cauby Peixoto.



1939- Herivelto tem 27 anos, Dalva 22.Em Julho Dalva grava “Noites De Junho” e “Pedro, Antônio E João”. Em setembro “Acorda Estela” e “Brasil”, ambas em dupla com o Rei da Voz, Francisco Alves (Chico Viola). Discos em 78 rpm.



1940- Herivelto tem 28 anos. Dalva 23.

Dalva de Oliveira participa de filme da Walt Disney dublando a voz de Branca de Neve. Era a exibição no Brasil da primeira versão do filme “Branca de Neve e Os 7 Anões” dos estúdios Disney. Seu filhinho Peri, de apenas três anos, também atua como dublador fazendo a voz do anão Dengoso. A gravação foi feita na Continental, com Carlos Galhardo e Os Trovadores e adaptação de João de Barro que utilizou músicas de Radamés Gnattali.

Na música - em junho Dalva grava “Marina De Vestido Branco” (de Príncipe Pretinho) e “Mesma História”. Em agosto “Tudo Tem O Brasil” (em dupla com Castro Barbosa). Em dezembro “Caçador De Esmeraldas” e “Estrela Dalva”. Todas em 78 rpm.



1941- Herivelto tem 29 anos. Dalva 24.Em maio Dalva grava “Valsa Da Despedida” em dupla com Francisco Alves (Chico Viola).

Os dois maiores sucessos da história do Trio de Ouro foram os sambas “Praça Onze” (em 1941), de Herivelto Martins e Grande Otelo acompanhados de Castro Barbosa e “Ave-Maria Do Morro” (em 1942), de Herivelto.

O filhinho do casal, Peri, com apenas quatro aninhos, se apresenta no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Dalva tinha um timbre de voz macio, exageradamente agudo e sem muitos recursos e que obteve a consagração do público com interpretações pungentes, destacando-se a célebre “Ave Maria do Morro”. Caracterizou-se também pela pronúncia exagerada de erres e canções que para nós, hoje, seriam musicas cafonas de dor e amor, mas que na época eram motivos de adoração.

“Vão acabaaar com a Praça Onze!” — assim começava o samba de Herivelto Martins e Grande Otelo anunciando e lamentando o fim próximo daquele que foi um dos locais mais importantes e significativos na cultura e na música carioca. Berço do samba carioca.



1942- Herivelto tem 30 anos. Dalva 25.Em julho Dalva grava “Dois Corações” e “Timoneiro. Em novembro “Meu País Verdadeiro”. Todas em dupla com Francisco Alves (Chico Viola). Discos em 78 rpm.

O filho do casal, Peri, com cinco anos, é levado a participar das gravações do filme inacabado de Orson Welles, que rodava no Brasil: “It’s All True (É Tudo Verdade)”, durante a política de boa vizinhança do EUA com países aliados na 2ª Guerra Mundial.



1943- Herivelto tem 31 anos. Dalva 26.

Gravaram com sucesso “Laurindo”, um samba de Herivelto.

No cinema, o Trio de Ouro participa do filme “Samba Em Berlim”. Em março Dalva grava “Coração De Mulher” e “Grande Desilusão”. Em Maio “Salve Dezenove De Abril (Salve 19 De Abril)”. Em novembro “Babalu” e “Sina Triste”. Em dezembro Dalva regrava “Noites De Junho” e “Pedro, Antônio E João”, além de regravar “Valsa Da Despedida (Farewell Waltz)” novamente em dupla com Francisco Alves (Chico Viola) e “Verão Do Havaí” também com o Rei da Voz. Discos em 78 rpm.



1944- Herivelto tem 32 anos. Dalva 27.No cinema, o Trio de Ouro e o filho Pery de sete anos, participam do filme “Berlim Na Batucada”, de Luís de Barros. Em setembro Dalva grava “Mais Uma História De Amor”, com Francisco Alves (Chico Viola). Em 78 rpm.



1945- Herivelto tem 33 anos. Dalva 28.

O trio gravou 14 versões em 78 rpm de “Branca de Neve e os 7 Anões”.

No cinema, o Trio de Ouro participa do filme “Pif-Paf”. Em Fevereiro Dalva grava “Malaguenha” com Francisco Alves (Chico Viola). Em setembro, regravou “Brasil” também com Francisco Alves e ainda gravou “Simplicidade”. Todas em 78 rpm.



1946- Herivelto tem 34 anos. Dalva 29.

Em janeiro gravam com Francisco Alves “Andorinha” (78 rpm).

No cinema, o Trio de Ouro participa do filme “Caídos Do Céu”. Em janeiro Dalva grava “Andorinha” com Francisco Alves (Chico Viola). Disco em 78 rpm.



1947- Herivelto tem 35 anos. Dalva 30.

No cinema, o Trio de Ouro participa do filme “Fogo Na Canjica”. Em janeiro Dalva grava “Mexicanita” com Francisco Alves (Chico Viola). Em julho “Segredo”. Discos em 78 rpm.

Foi a bordo de um avião, durante uma das várias viagens do Trio de Ouro que Herivelto viu pela primeira vez a mulher com quem se casaria e por quem deixaria Dalva. Foi paixão a primeira vista. O encanto inicial pela comissária Lurdes Nura Torelly, procedência gaúcha, marcantes cabelos pretos, lábios vistosos, só não foi tão grande quanto o empenho de Herivelto em conquistá-la.

Divorciada e com um filho, Lurdes não queria problemas. Ela conhecia a fama de conquistador de Herivelto e sabia que ele era casado. Por Lurdes, Herivelto mudou seu comportamento. Passou a dar assistência e visitar os filhos que teve com sua primeira mulher.

E, após inúmeras serenatas, canções, poemas, e, principalmente, uma real mudança de postura, o compositor convenceu Lurdes de que seu amor era verdadeiro. Dalva percebia, então, que seu casamento desta vez havia acabado e que seu marido tinha realmente se apaixonado por outra.



1948- Herivelto tem 36 anos. Dalva 31.

No cinema, o Trio de Ouro participa do filme “Esta É Fina”.

Sabendo que a separação com Dalva certamente significaria o rompimento do “Trio de Ouro”, Herivelto vivia um dilema: queria se casar com a aeromoça, mas precisava do dinheiro que ganhava com o sucesso musical. Dalva, por sua vez, via neste impasse uma chance de reconquistar o grande amor de sua vida.



1949- Herivelto tem 37 anos. Dalva 32.No cinema, o Trio de Ouro participa do filme “Prá Lá De Boa”. Em março Dalva grava “Nossas Vidas” e “Quarto Vazio”, de Herivelto Martins (78 rpm).

A gota d’água para o fim do casamento profissional e pessoal de Dalva e Herivelto foi uma viagem à Venezuela. Convidado por Dercy Gonçalves, o Trio de Ouro participou de apresentações em Caracas. O resultado foi desastroso, tanto do ponto de vista financeiro, quanto do artístico. A tradicional platéia estrangeira repudiou as ousadas apresentações de Dercy, e Dalva e Herivelto romperam de fato o relacionamento. Era o fim do “Trio de Ouro”, pelo menos em seu formato original. Dalva ainda ficou naquele país, apresentando-se com o maestro Vicente Paiva (de "Mamãe Eu Quero" e "Marcha do Cordão do Bola Preta" e a introdução no Brasil de “Parabéns pra você!”), por mais um ano. Saindo do Trio de Ouro, Dalva assume sua carreira solo. Mais tarde, Herivelto tentou recuperar o grupo com outras formações, porém nunca mais alcançou o sucesso que teve ao lado de Dalva e Nilo Chagas.






















































































Dercy Gonçalves

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Ilustração da capa do livro Minhas Duas Estrelas
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Dalva e Herivelto por seu filho Pery Ribeiro
LIVRO: MINHAS DUAS ESTRELAS - UMA VIDA COM MEUS PAIS DALVA DE OLIVEIRA E HERIVELTO MARTINS
SONÓPSE:


O livro “Minhas Duas Estrelas”, do cantor Pery Ribeiro e de sua então esposa Ana Duarte, lançado em 2006 e relançado em 2009, é um extenso e detalhado depoimento sobre a vida, a obra e a tumultuada relação de seus pais: o compositor Herivelto Martins e a cantora Dalva de Oliveira, duas das maiores personalidades da história da música brasileira, além de figuras centrais da "Era do Rádio" (e que foram as grandes personagens da minissérie Dalva e Herivelto: Uma Canção de Amor, da Rede Globo em janeiro de 2010). Ruy Castro, um dos maiores experts de nossa música, assina o prefácio.






Filho mais velho do casal, Pery Ribeiro, nasceu na pobreza do cortiço em 1937. Ele narra, em 360 páginas, com acabamento em brochura e 75 ilustrações (fotos e fac-similes), toda a trajetória de suas "duas estrelas", sua ascensão, sua consagração, sua separação traumática, seus novos casamentos, entrecruzando as enormes transformações da vida de seus pais com sua própria vida. O resultado é uma narrativa emocionante, que lança luzes inéditas sobre parte importante da história da música brasileira, e à qual não faltam as amantes de Herivelto, os copos de Dalva, as brigas homéricas e tampouco "detalhes quase inconfessáveis", nas palavras de Ruy Castro. Mas também muito brilho: entre suítes de grandes hotéis, programas de rádio e palcos de cassinos, desfila uma longa lista de nomes famosos, como Dorival Caymmi, Linda Batista, Francisco Alves, Grande Otelo, Orlando Silva, Ciro Monteiro, Emilinha Borba, Pixinguinha, Dick Farney, Nelson Gonçalves, Bing Crosby, Carmen Miranda, Josephine Baker, Noel Rosa, Villa-Lobos, Pixinguinha, Lupicínio Rodrigues, Heitor dos Prazeres, Lamartine Babo, Nat King Cole, Orson Welles, Tom Jobim e Mané Garrincha (o primeiro a chegar ao hospital em que Dalva de Oliveira foi internada, após o acidente que a desfiguraria em 1965).






Herivelto Martins foi o autor de muitos dos maiores clássicos da música brasileira além de responsável por várias inovações, como a introdução do apito na escola de samba, a gravação em disco da própria obra e a luta pela regulamentação do direito autoral no país. Dalva de Oliveira, além do sucesso internacional (excursiona por Londres-UK - onde canta para a rainha Elizabeth II -, Lisboa-POR, Madrid-ESP e Barcelona-ESP, e faz enorme sucesso na Argentina, no Uruguai e no Chile), no Brasil seria eleita "Rainha do Rádio" em 1951, e se tornaria a grande cantora de uma época glamourosa: "a estrela Dalva".


Pery também fala sobre os seus primeiros trabalhos para ganhar a vida, o início da carreira como cantor, a sua visão crítica sobre a união de Herivelto e Lurdes, a terceira mulher de seu pai, e o alcoolismo e os casamentos desfeitos de Dalva.






Histórico - Criador de pérolas do nosso cancioneiro como Ave-Maria no morro, Segredo, Isaura, A Lapa, Cabelos brancos, Praça Onze, Caminhemos e Lá em Mangueira, Herivelto, ao lado de Dorival Caymmi, foi um dos primeiros compositores brasileiros a gravar sua própria obra. Com uma capacidade natural de liderança, sendo um crítico cruel e um homem de “temperamento e gênio irascível”, Herivelto mantinha um relacionamento pouco afetivo com os filhos, revela Pery. Se na família era rigoroso com a seriedade das obrigações e deveres, com os amigos deixava aflorar a alegria, o companheirismo e a compreensão. Foi com a mãe que Pery desenvolveu uma “cumplicidade e uma amizade maior”. A sensibilidade, a generosidade, o carisma e o brilhantismo da cantora Dalva de Oliveira são qualidades sempre destacadas pelo autor. Não foram somente a boa voz e a técnica vocal primorosa que colocaram Dalva no patamar mais alto das cantoras brasileiras.






O filho a define como aquela que “cantava com soltura e liberdade de estar consigo mesma, sem medo ou vergonha de demonstrar sua emoção”. A união de Dalva com Herivelto e Nilo Chagas (a dupla Preto e Branco), fez surgir o trio mais famoso da história do rádio: o Trio de Ouro. Não são poucas as histórias de briga entre Dalva e Herivelto durante o percurso de sucesso do trio. Dalva brilhou ainda mais depois de sua saída do grupo e do traumático desquite com Herivelto. Segundo Pery, este sucesso deixou o autor de Senhor do Bonfim desnorteado. Em 1951, Dalva foi eleita Rainha do Rádio e “entrou definitivamente para a história da música popular brasileira”, afirma. É deflagrada então uma briga musical inédita nos meios de comunicação do Brasil.






De um lado, sambas polêmicos como Caminho Certo e Teu Exemplo serviram de “artilharia pesada” de Herivelto e seu parceiro, o jornalista David Nasser. Do outro lado, Dalva, amparada pelos compositores que a adoravam, respondia à altura com Errei Sim, de Ataulfo Alves, e Calúnia, de Marino Pinto e Paulo Soledade. Essas e outras letras ilustram a narrativa. Mesmo sendo absolutamente desmoralizada, não só nas músicas, mas também no jornal Diário da Noite, com artigos ditados por Herivelto e escritos por David Nasser, a intérprete conseguiu conduzir sua carreira de forma majestosa.






Em 1952, viajou para Londres e gravou um disco com o pianista inglês Roberto Ingles. Seguiu em excursão para Lisboa, Madri e Barcelona. Vendeu muitos discos pela Odeon no auge da polêmica musical. Fez sucesso em países como Argentina, Uruguai e Chile cantando tangos. Este foi o auge da cantora comprovado por Pery em uma declaração definitiva: “Dalva era lembrada para tudo o que fosse considerado importante no meio”. Assim, Dalva, de menina pobre e simples do interior, virou uma grande socialite na cidade grande carioca.
(texto de vários sites)
.... Pery Ribeiro, primeiro filho de Dalva e Herivelto (Divulgação)
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ENTREVISTA COM O FILHO PERY RIBEIRO
Pery Ribeiro relembra a vida dos pais, Dalva e Herivelto. Aos 50 anos de carreira, o cantor está relançando seu livro de memórias
Por Amilton Pinheiro
(entrevista concedida a REVISTA BRASILEIROS. Com atualizações. Está no endereço:
http://www.revistabrasileiros.com.br/secoes/o-lado-b-da-noticia/noticias/1227/)
No tempo em que não havia assessores de imprensa e os artistas cuidavam das suas carreiras, o Brasil teve dois dos seus mais profícuos e controversos artistas, a cantora Dalva de Oliveira e o compositor e cantor Herivelto Martins. Eles levaram uma vida amorosa tão apaixonada quanto conturbada, como mostra a minissérie Dalva e Herivelto, Uma Canção de Amor, de Maria Adelaide Amaral. Entre outras fontes, a autora baseou-se no livro de memórias escrito pelo cantor Pery Ribeiro, o primeiro filho do casal. A obra está sendo relançada. Para escrever Minhas duas estrelas, uma vida com meus pais Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Editora Globo), que chegou às livrarias em 2006, Pery contou com a co-autoria de sua ex-mulher, Ana Duarte.






A minissérie, que a Rede Globo leva ao ar de 4 a 8 de janeiro de 2010, revelou em detalhes a trajetória artística e os conflitos entre Dalva de Oliveira (uma das mais brilhantes cantoras da era do rádio) e Herivelto Martins (compositor das mais belas crônicas do Rio de Janeiro). A cantora morreu em 1972, em um hospital, tragada pelo alcoolismo e amargura, à espera de uma visita do seu ex-marido. Herivelto, que também vivia dias de angústia, recusou-se a visitá-la. (Ele morreria em 1992, depois de completar 80 anos)






O livro foi a forma que o cantor Pery Ribeiro, nascido em 1937, encontrou para viver com as lembranças alegres e doloridas da sua vida com seus pais. Diz ele: "Não é uma biografia, mas sim um livro das minhas lembranças de vida ao lado de meus pais. Quem leu, sabe que foi uma vida maravilhosa, mas também de muitos problemas. Por muito tempo isso me levou ao analista, mas escrever o livro funcionou como uma catarse, ao liberar tantas lembranças do meu passado".






Segundo Pery, a obra não teria sido escrita sem a ajuda de sua ex-mulher, Ana Duarte, dona de uma agência de Publicidade e empresária do cantor. Foi ela quem ordenou o emaranhado de lembranças de Pery. Ana conta: "Minha função foi, primeiramente, organizar estas lembranças. Passei tudo para o laptop. Durante o processo, fui percebendo que era um material muito mais complexo do que ele mesmo imaginara... Havia muitos conflitos a serem resolvidos ainda dentro dele".






A homenagem de Pery a seus pais, que começou com o livro, vai continuar com o show Tributo a Dalva e Herivelto. O espetáculo chegará aos palcos no final de março, comemorando os seus 50 anos de carreira. Boa notícia: o show será gravado, terá a presença de Maria Bethânia e Ney Matogrosso, entre outros artistas, e depois lançado em DVD. Ainda em 2010, Pery também vai fazer uma série de shows Minhas Duas Estrelas por todo Brasi. Para encerrar as homenagens, o filho único de Pery e Ana, Bernardo, que trabalha com televisão, fará um documentário sobre os avós famosos. Segue-se a entrevista que Pery deu a Brasileiros, com exclusividade.






Brasileiros - Você não escreveu uma biografia dos seus pais, mas um relato em primeira pessoa, falando sobre suas memórias ao lado deles e das pessoas que conviveram com vocês. Esse livro foi uma maneira que você encontrou para exorcizar seus fantasmas?


Pery Ribeiro - Realmente, Minhas Duas Estrelas, uma vida com meus pais Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Pery Ribeiro e Ana Duarte. Editora Globo. 360 pp, R$ 49) não é uma biografia, mas um livro das minhas lembranças de vida ao lado de meus pais. Quem leu sabe que foi uma vida maravilhosa, mas também de muitos problemas. Por muito tempo isto me levou ao analista, mas escrever o livro funcionou como uma verdadeira catarse, ao liberar tantas lembranças do meu passado.






Brasileiros - Desses relatos dolorosos, qual foi o mais difícil de superar?P.R. - Eu não diria superar, mas sim o mais difícil de vivenciar, foi o colégio interno, sem dúvida. Sermos tirados do convívio com minha mãe depois da separação dos meus pais, e mandados por um juiz para um internato, foi muito duro, muito sofrido.






Brasileiros - No livro, você parece mais condescendente com sua mãe que com seu pai. Por que?P.R. - Não, não sou. Contei a história como ela se passou, em toda a sua verdade. Foram eles dois que viveram da forma que viveram. Eles criaram a história que contei. Eu apenas a contei, buscando sempre um equilíbrio no relato. Aliás, a tônica das críticas e comentários que o livro recebeu foi justamente sobre o equilíbrio que busquei ao contar a vida dos meus pais.






Brasileiros - Qual a lembrança que ficou de Dalva e de Herivelto para você hoje?P.R. - Foram duas pessoas determinantes em todos os sentidos na minha vida: no amor que recebi, no aprendizado da disciplina, dos valores morais, do respeito ao palco e ao público. E principalmente o respeito pela música e pela qualidade no trabalho.






Brasileiros - No livro, você comenta o problema que seu irmão, por parte de pai, Fernando, teve com drogas. Relatar algumas particularidades dos seus familiares não lhe causou nenhum problema?


P.R. - Não exatamente com este fato. Mas o livro desagradou aos meus irmãos, por uma razão muito simples: porque trouxe à tona o que eles, por 50 anos, fizeram questão de jogar pra debaixo do tapete. A diferença entre nós é que, por eu ser uma figura pública, continuei convivendo com todo esse drama familiar por intermédio das lembranças do público. Eles não entenderam que, como filho, eu não poderia fazer um livro de fã. Ao me propor a falar da vida com meus pais, teria de ser um relato aberto e verdadeiro.






Brasileiros - Aproveitando a pergunta anterior, você não teve problema ao tocar em assuntos íntimos de artistas, como a cantora Linda Batista, que foi flagrada com seu pai?


P.R. - Não. Sinto que todos entenderam que não tive nenhuma intenção sensacionalista. Apenas relatei o que se passou na vida das pessoas. Com amor e respeito. Foram elas que construíram seus caminhos.






Brasileiros - Como você vê o panorama da música brasileira hoje, tragada pela mediocridade e banalidade?


P.R. - Você já deu a resposta na sua própria pergunta: a música atual está mergulhada na mediocridade e na banalidade. Não somente no Brasil, mas no mundo. Muito pouco se salva dessa mesmice.






Brasileiros - Qual foi a sua colaboração para a minissérie de Maria Adelaide Amaral?P.R. - Pelos motivos familiares que já expliquei, Maria Adelaide não declara que se baseou bastante no meu livro, mas tenho visto na minissérie, a todo momento, detalhes e situações que se encontram somente em Minhas duas estrelas... E não poderia ser diferente, conheço todas as "fontes" existentes, pois eu e a Ana também as pesquisamos, e sei que pertencem a outro contexto: jornalístico ou de fã. O meu relato é de filho, de quem pertenceu aquele universo e tem intimidade com os fatos.






Brasileiros - Seu pai tão indiferente com relação à família e ao mundo depois que se separou da sua mãe?P.R. - Meu pai nunca foi indiferente com a família. Ele sempre foi muito ligado à nós. Nunca foi displicente com a família. Pelo contrário, foi um pai provedor. E conto isto em meu livro. Na época de minha mãe, ele foi um marido complicado, o que é bem diferente. O que comento no livro é que as besteiras que ele fez depois da separação, atacando minha mãe por meio de capítulos em jornais, trouxeram a ele a revolta do público, principalmente do feminino. E isto o colocou de escanteio... e, com o sucesso de Dalva em sua carreira solo, ele foi ficando um cara sofrido, pois seu "Trio de Ouro" nunca mais foi o mesmo. Os seus melhores anos, como artista, ele os teve com minha mãe. E seus maiores sucessos foram feitos durante a famosa "briga musical".






Brasileiros - Algumas passagens relatadas por você sobre seu pai são marcantes. Você revela a incapacidade de Herivelto lidar com os problemas dos filhos, do egoísmo dele em relação aos parceiros musicais, ao não dar muito crédito a eles. Quando Herivelto estava vivo, você chegou a comentar com seu pai, com toda a sinceridade, o que pensava dele? Vocês chegaram a resolver os problemas de relacionamentos que tiveram na vida?


P.R. - Você tem de entender que meu pai era um homem do começo do século. Recebeu uma formação muito rígida e passou isso para nós. E homens daquela época tinham muita dificuldade para lidar com seu lado emocional e para expressar seus sentimentos. Os amorosos, ele libertava através da música, mas os pessoais ficavam trancados. Mesmo não gostando disso, como filho, tive de aprender a conviver com ele assim. Nunca tivemos esse tipo de conversa. Seria impossível.




"PERY TINHA MUITOS CONFLITOS PARA RESOLVER"
Quem conta é a jornalista e atriz Ana Duarte, co-autora do livro de memórias do ex-marido
Brasileiros - Você pegou os relatos do Pery e os transformou em livro. Como foi o processo de elaboração do livro?
Ana Duarte - O Pery escreveu à mão, num relato emocionado, pois todas essas lembranças mexiam muito com seu interior. Ele estava revirando a sua vida do avesso, e exatamente por ser um relato verdadeiramente emocional, também foi feito de forma caótica, sem obedecer a nenhuma ordem. Minha função foi, primeiramente, organizar essas lembranças. Passei tudo pro laptop. Mas ao fazer isso, fui percebendo que era um material muito mais complexo do que ele mesmo imaginara... Havia muitos conflitos para resolver ainda dentro dele. Organizei por personagens o que ele escreveu, e aí começou outro trabalho: o de reler com ele o que havia escrito. Analisamos tudo e Pery foi se posicionando em cada assunto. A partir daí, pude organizar o material, transformando-o em livro, sempre mantendo o foco no equilíbrio que ele fazia questão de manter em relação aos pais. Esta sempre foi a sua grande intenção: mostrar seu amor aos pais. E de como o seu perdão era maior que os traumas vividos.




Brasileiros - Houve alguma passagem do livro que você ficou intimidada em publicar, algum relato muito pessoal do Pery que você teve dúvidas em tornar público?A.D. - Esta avaliação nunca foi minha. Afinal, estávamos contando a vida dele. A grande maioria dos personagens eu nem conheci, e com alguns, pouco convivi.






Brasileiros - O livro está sendo relançado pela Editora Globo. Alguma alteração ou acréscimo, em relação à primeira edição de 2006?


A.D. - O livro sempre esteve em catálogo desde que foi lançado, em 2006. Com o lance da minissérie, a Editora Globo resolveu lançar uma nova edição com pequenas modificações na capa original: acrescentou um texto informando da minissérie da Globo e mudou a cor da lombada.

Pery Ribeiro lembra momentos com sua mãe Dalva e seu irmão Bily (arquivo da família).

TRECHOS DO LIVRO “MINHAS DUAS ESTRELAS”

CAPÍTULO 1: páginas 23, 24, 25 e 26




1
P R I M E I R A S L E M B R A N Ç A S




pág. 23


CORRIA JÁ METADE DE 1942. O mundo chorava a perda de entes queridos de todas as nacionalidades na Segunda Guerra Mundial. No Brasil, escutávamos Hitler no rádio, hipnotizando milhões de alemães, falando ao restante da humanidade sobre todo o seu poderio e a disposição de mais invasões, continuando seu sonho paranóico de conquistar o mundo. Países que nem imaginavam participar, pois ainda lhes doíam as feridas da Primeira Guerra, foram obrigados a tomar posição diante da louca investida. Quando a Inglaterra foi atacada, o grupo dos Aliados cresceu. Os Estados Unidos se tornaram sede e porta-voz de todo um bloco, empenhados em conter o avanço ensandecido de Hitler. O Brasil também se alinhou e, naturalmente, foi convocado a enviar tropas. E derramou seu sangue na Itália, onde o soldado brasileiro demonstrou força e coragem na tomada de Monte Castelo. Aqui na pátria, Getúlio Vargas governava um país em formação, cheio de problemas e ansioso por conquistar uma posição mundial que assegurasse lugar de destaque no conceito universal. Assim, quando os Estados Unidos pediram a coleta de qualquer...






pág. 24


espécie de metal a ser fundido e transformado em matéria-prima para construção de armamentos e até aviões que abasteceriam o front, começou a Campanha das Pirâmides. O povo jogava na rua o que lhe sobrava ou encontrava de metal, em forma de brinquedo, mesa, cadeira, bicicleta, tudo o que pudesse ser derretido e enviado aos Estados Unidos. Essa campanha era abrilhantada com shows artísticos —como é antiga essa história de showmício! A grande patronesse era Darcy Vargas, a quem os artistas devotavam carinho especial. Em vários pontos da cidade acumulavam-se as enormes pirâmides de ferro-velho. No encerramento da campanha, realizou-se no Teatro Municipal uma grande festa, patrocinada por “dona” Darcy Vargas. O grand finale era o show do Trio de Ouro, formado por Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas, com a participação de um garotinho de quatro anos, filho de Dalva e Herivelto: eu. Fui colocado em cima de uma cadeira, para aparecer um pouco mais naquela imensidão de palco, devidamente fardado, de branco, olhos verdes bem arregalados, cantando o hino especialmente composto por Herivelto para a Campanha das Pirâmides. Posso considerar esse show minha estreia como cantor. É minha primeira lembrança de palco, de público me ouvindo cantar. Mas havia o bicho-papão: a guerra. Nosso vizinho na Urca era um general do Exército. Tinha fotos recém-chegadas das batalhas, enviadas pelo filho. Arame farpado espalhado por um campo, pessoas penduradas ou enroscadas, mortas, abatidas por tiros. Essas imagens me fizeram perder o sono muitas noites. O fantasma da guerra nos rondava, a narrativa das pessoas que retornavam me perturbava. As fotografias mostradas pelo general me deixavam uma sensação cinzenta no ar. Triste. A guerra, mesmo a distância, dava uma impressão de perda. De choque. De luto. Como não havia televisão, era o jornal antes dos filmes no cinema que nos dava ideia do que ia pelo mundo. Eram imagens fortes. Ver Hitler discursando, eu não entendia bem por quê, me...






pág. 25


dava uma profunda tristeza. Depressão. Até hoje as reportagens que tratam da guerra me evocam uma sensação familiar. Como se eu tivesse vivido aquilo tudo de perto. Guerra e luto, música e alegria. Minha mãe gravava a versão para o lançamento brasileiro do grande clássico de Walt Disney, Branca de Neve e os sete anões, enquanto eu dublava o anãozinho Dengoso. Dalva interpretava a Branca de Neve. A versão tinha sido feita pelo compositor Braguinha, o célebre João de Barro, autor de “Carinhoso”, “Pastorinhas”, “Touradas em Madrid” e dúzias de outras obras-primas do Carnaval brasileiro. Braguinha era diretor do trabalho de dublagem e também dono do estúdio, onde não havia ar-condicionado. Ele conta que eu, muito garoto, fui ficando agoniado com o calor; aos poucos, fui pedindo para tirar a roupa. Tira uma peça, tira outra… acabei cantando completamente nu, sob os olhares invejosos dos adultos presentes no estúdio. Um pouquinho mais velho, aos oito anos, participava das gravações do Trio de Ouro com meu pai, fazendo a terça em alguns vocais ou tocando tamborim. Era um desafio gravar nessa época. Tratava-se do processo mono, isto é, gravava-se um cantor acompanhado de orquestra, ritmistas e coro em apenas um canal e registrava-se a matriz num disco de cera importada, que dava origem aos discos de 78 rotações. Ensaiava-se uma música à exaustão: além de a execução precisar estar perfeita, não se podia exceder os três minutos e meio, tempo máximo de registro na cera. O produtor ficava cronometrando o ensaio até atingir o tempo adequado. A cera usada para registrar o som era muito cara, não podia ser reaproveitada, e qualquer erro era fatal. Herivelto, apesar de todas essas complicações, introduziu inovações. Ele foi um mulatólogo ilustre, influência de seu sangue português, e pioneiro em colocar, nos palcos, grupos de sambistas oriundos das escolas de samba e dos morros. Seu grupo de sambistas...






pág. 26(na época diziam “sua escola de samba”) era composto de mulatas do melhor samba-no-pé e de ritmistas dos mais afinados, que ele punha no estúdio para gravar. A Escola de Samba de Herivelto Martins, mais tarde Escola de Samba de Salão, era composta de oito a dez mulatas e outros tantos ritmistas. Jupira, Cordélia, Sureia, Vanda, Ruth (depois mulher de Luís Bonfá), Brotinho e Carmen Costa, mais tarde cantora famosa, são algumas das passistas que se destacaram ao seu lado. Abel Ferreira, Valter Boca de Sopa, Leonel do Trombone, Buci Moreira, Arnô Carnegal e Boca da Cuíca são nomes ilustres das raízes do samba e de alguns de seus músicos e ritmistas. O compositor Monsueto Menezes, também: o autor de “A fonte secou” era o ritmista mais divertido da Escola de Samba de Herivelto. Minha mãe contava uma história engraçada de um desses ritmistas. Um de meus brinquedos preferidos era um “cachorrinho” improvisado com um quadro (o rosto de um índio com cocar). Dalva tinha ganho a tela de um dos ritmistas da Escola de meu pai. Ninguém deu muita bola. Eu puxava aquele rosto de índio de um lado para o outro, amarrado por um barbante, dizendo que era meu “cachorro”. O pintor era “tocador de prato” na Escola de Samba de meu pai. Seu nome: Heitor dos Prazeres. Isso mesmo! Este meu “cachorrinho” era o primeiro quadro de um pintor que se tornaria um dos mais importantes primitivistas do Brasil, premiado e celebrado mundo afora. Quando tomamos conhecimento disso, muito tempo depois, com o nome de Heitor despontando no mercado das artes, foi aquela correria na casa de minha mãe: “Onde está aquele cachorrinho que o Pery arrastava?”. Felizmente, encontraram o quadro no sótão da casa de minha mãe, em Jacarepaguá. E hoje, orgulhosamente, ele está na parede de minha sala. (PERY RIBEIRO)
.. Os irmãos Bily e Pery ao lado da atriz Adriana Esteves, a Dalva na minissérie
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ANÁLISE DO LIVRO
O cantor Pery Ribeiro traça perfil corajoso de seus pais, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins


(análise de Dirceu Alves Jr, publicada no site ISTOÉ GENTE, com atualização. Endereço: http://www.terra.com.br/istoegente/343/diversao_arte/livros_minhas_2estrelas.htm)
Muitas vezes, o menino Pery voltou do colégio e descobriu que a mãe, a cantora Dalva de Oliveira, estava no hospital. O compositor Herivelto Martins, seu pai, havia batido nela. Dalva não engolia nada a seco e espatifava vários cinzeiros na cabeça do marido. Foi mais próximo desse cenário de dor que do glamour do Cassino da Urca e da Rádio Nacional que o filho mais velho do casal, o cantor Pery Ribeiro, cresceu. Para aquele garoto, as brigas dos pais, amplificadas pelos jornais da época, resultaram numa personalidade que, ele assume no livro, sofre perturbações até hoje.


Aos 72 anos, Pery exorciza fantasmas de forma corajosa. Pede uma licença inconsciente àquela que foi uma das maiores estrelas da MPB e ao compositor dos clássicos “Ave Maria do Morro” e “Caminhemos” para narrar suas vidas em Minhas Duas Estrelas (Globo, 384 págs., R$ 42), escrito em parceria com sua mulher, Ana Duarte. Longe do maniqueísmo, Pery conta sem meias-palavras o que o casal sofreu e, em conseqüência, o que ele sofreu, mas em nenhuma linha assume papel de vítima.


Talvez pela intimidade de filho, Pery valoriza o leitor e deixa de apresentar em detalhes a importância dos pais para a MPB, como seria mais confortável e óbvio. Expõe a alma de um homem e de uma mulher, vítimas de suas fraquezas e incapazes de lidar com os altos e baixos, e faz de Minhas Duas Estrelas uma biografia rara. Segredos de quatro paredes






Dores de amores“As brigas se tornaram cada vez mais agressivas. Um dia, no auge de um ataque de raiva, ele agarrou minha mãe pelos cabelos, deu socos e pontapés. No meio desse acesso, o inevitável: minha mãe rolou escada abaixo e perdeu o nenê, num aborto forçado. Foi tanta dor, tanta mágoa que durante muito tempo minha mãe guardou o feto num vidro com álcool. Ficava exposto no banheiro. E a quem perguntasse sobre aquilo ou sugerisse jogar fora, ela dizia: ‘Isso tem que ficar aí, pois serve para o Herivelto ver e não esquecer do que aconteceu’”.

“Quando cheguei ao aeroporto do Rio, ela me esperava. Foi o maior susto da minha vida. Minha mãe estava completamente desfigurada. O desastre já havia deixado marcas horríveis em seu rosto e agora a bebida também cobrava seu preço. A cirrose transformara minha bonita mãe em uma figura muito feia.”
(PERY RIBEIRO)
FICHA DE MINHAS DUAS ESTRELAS

PARA QUEM QUISER CONFERIR NO LIVRO VAI VER:



Prefácio: Entre quatro paredes de vidro, por Ruy Castro


Introdução


1. Primeiras lembranças


2. Cassino da Urca


3. Dalva e Herivelto


4. Primeiros tempos


5. Nossas vidas


6. Grande Otelo, o fiel companheiro


7. Hoje quem paga sou eu


8. Orson Welles, uma rica experiência


9. Carmen Miranda


10. Nelson Gonçalves e seus dramas


11. O Trio de Ouro


12. Nossa infância


13. Segredo é para quatro paredes


14. Desse amor quase tragédia


15. Dercy Gonçalves, Venezuela e outras histórias


16. Abandono


17. Destruímos hoje o que podia ser depois


18. Que será de minha vida sem o teu amor


19. A vida com Lurdes


20. Procópio Ferreira, apaixonado por Dalva


21. Quiseste ofuscar minha fama só porque vivo a brilhar


22. O casamento com Tito


23. Rainha do Rádio: o gosto do sucesso


24. José Messias, amigo e confidente


25. O místico Herivelto


26. Separado de Bily


27. Primeira noite


28. César de Alencar, Boni e o "meu" Ribeiro


29. Que rei sou eu?


30. Rádio Nacional


31. Getúlio, Juscelino, Ademar: amizade com o poder


32. Bloqueado pelas lembranças


33. O túnel do fim


34. O relacionamento com minha mãe


35. México


36. Chacrinha, Flávio Cavalcanti, Sílvio Santos


37. A política e o Ecad


38. A obra de Herivelto


39. Solidão na Urca


40. Humor


41. Caminhos da autodestruição


42. O sonho de Shangri-lá


43. Agnaldo Timóteo, Antônio Maria e Madame Satã


44. Raul Sampaio, parceiro de vida


45. Sítio de Bananal


46. O relacionamento com meu pai


47. Lurdes, a rainha-mãe


48. Amor enrustido


49. Estrela Dalva, o grande mito


50. Eram felizes e não sabiam


51. Tenho saudades da Mangueira


52. Bandeira branca, eu peço paz


53. Meu irmão Bily, parceiro de uma vida


54. Adeus, minha praça Onze, adeus


55. O amor é o ridículo da vida


56. Herança


Posfácio, por Ana Duarte


Agradecimentos especiais


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